Comecei a conhecer Fortaleza, minha terra natal, a partir dos dez , 11 anos, pelos idos de 1935. Era uma cidade brejeira, com poucas ruas calçamentadas, quase todo mundo se conhecia ou pelo menos sabia quem eram os outros, as autoridades, os comerciantes e os “ricos”. Os limites do setor urbano não iam muito depois do Colégio Militar, na Aldeota; do atual Liceu do Ceará, pelos lados do Jacarecanga; dos finais das linhas do bonde do Alagadiço (Antônio Bezerra), do José Bonifácio (Major Facundo com a hoje Domingos Olímpio), do Joaquim Távora (esquina com a hoje Pontes Vieira), do Bemfica (no começo do chamado Concreto que levava a Porangaba), do Prado (terminava no campo de futebol e onde está a Escola Técnica Federal), do Cemitério (Padre Mororó com a Rua Tijubana) e da Linha Férrea (até a estação João Felipe). Daí em diante eram chácaras e sítios. A vida ativa da cidade girava em torno da Praça do Ferreira, no máximo das praças da Lagoinha, da José de Alencar, do Passeio Público, da Sé, da José Júlio ( Igreja do Coração de Jesus) e da Igreja do Carmo. Os grandes acontecimentos como passagem do ano e carnaval eram aí festejados por quase toda a população, pequena mas alegre, sem medo de ser feliz. Pois esta pequena província, até poucos anos e depois da 2ª Grande Guerra, que terminou no dia 8 de maio de 1945, era dotada de muitos bons cinemas em todos os bairros, principalmente no Centro com os cines Diogo, Moderno, Polytheama e do São Luiz, um pouco mais tarde, todos com preços acessíveis também aos pobres que, quando a grana era pouca, , optavam ir para as “gerais”. A vida cultural era ativa, com apresentação de famosos astros no Theatro José de Alencar. Mas exibições de grupos teatrais do Abel Teixeira e do José Cabral eram frequentes em teatros de bairros, como o Centro, na esquina da Duque de Caxias com a Tristão Gonçalves; o Carlos Câmara, no Joaquim Távora; o São José, na Praça do Cristo Rei e o da União dos Moços Católicos, na rua Barão do Rio Branco, hoje um anexo do Hospital José Frota. Quase todos os colégios e grupos escolares possuiam grêmios literários. Afora o Campo do Prado, dezenas foram os campos de bairros em que se enfrentavam os clubes do subúrbio. E o “canelau” como eu jogava nas ruas, aprendendo na bola de meia a ser jogador de futebol dos primeiros times da Liga Oficial. Este retrospecto, talvez inútil, é apenas para dizer que Fortaleza cresceu, é hoje uma grande metrópole de mais de dois milhões e quinhentos mil habitantesmas deixou para traz muita cousa boa. Infelizmente, não é capaz de, culturalmente, repetir e aumentar o que tinha de útil e agradável do passado. Elitizou-se, internacionalizou-se mas não oferece como devia ao grosso da sua população mais cultura, mais oportunidade de um lazer saudável. Cinema hoje é só para os ricos, nos shoppings. Teatro e grandes espetáculos, como o show de hoje de Paul MacCartney, também só para quem pode. Sem dúvida, portanto, é de receber aplausos a iniciativa de o Centro de Convenções do Ceará se transformar num grande teatro. O que se aguarda, porém, é que este bom passo seja o primeiro para universalizar a cultura no vários rincões da cidade, sem esquecer que os pobres dos bairros precisam de melhor assistência à saúde, à escola de qualidade, à segurança pública. Afinal, todos são filhos de Deus.
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