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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

TANTAS COISAS QUE EU VI PASSAR NO TEMPO...

Nascido em Salvador lá pelos idos de 1936, vivida a minha infância entre Entre Rios e Amargosa (cidades baianas), nesta última desde os meus quatro anos e até os 12, estive nesta veneranda capital, praticamente, por toda a minha existência, onde ainda me encontro. E é dela, um pouco da sua história que vivenciei, sobretudo dos seus tantos atrativos já não existentes, que tento, aqui, reviver.
Nascido na Rua do Carmo, cedo fui ter, com os meus saudosos mano Hélio e pais Zequinha e Julieta, à Barroquinha, início da rua Dr. Joaquim Seabra, na sua extensão até a séde do Corpo de Bombeiros - rua mais conhecida internacionalmente como “Baixa dos Sapateiros”. Dali, guardo algumas nítidas recordações, como do Nelson Maleiro, fundador do “Mercadores de Bagdad”, de tão grata memória dos Carnavais de atanho. Era ele que, em dias de chuvaréu, desfilava pela rua alagada em seu barco a remo, numa previsão do que padeceriam algumas artérias do futuro. Mas alí igualmente se encontrava a Escola Urânia, do Professor Osvaldo, o primeiro mestre do mano Hélio.
Entre os meus três e doze anos, estive desde Entre Rios (um ano) a Amargosa. Em 1948, por conta de iniciar o curso ginasial – inaugurei o Ginásio Estadual Severino Vieira, alí no largo de Nazaré – retornei definitivamente a Salvador, onde finquei âncoras e de onde nunca mais saí, a não ser para dar vazão ao devaneio da minha vocação de empedernido viajor.
Salvador, então, vivenciava uma dinâmica bem diversa de hoje. Àquela época, as três grandes motivações de diversão dos seus habitantes eram o rádio – no trato diário – a práia, dos fins-de-semana, e o cinema, sempre que se podia. Não existia, ainda, a televisão, hoje o grande atrativo cotidiano, muito menos a internet, computador, celular, redes sociais e seus derivados.
A Baixa dos Sapateiros e o Centro Histórico, da Praça da Sé à Praça Castro Alves, era o perímetro que prendia as atenções, pois onde se encontravam o grande comércio varejista e o circuito dos principais cinemas. Na Baixa dos Sapateiros estavam os estabelecimentos comerciais, de todos os estilos, mais populares, enquanto na Rua Chile, com extensão para a Avenida Sete de Setembro, entre a Praça da Piedade, o “Relógio de São Pedro” e São Bento, funcionava o comércio mais sofisticado.
De modo muito especial, na Rua Chile que, embora fôsse um trecho relativamente curto, entre as Praças Municipal (Tomé de Souza) e Castro Alves, encontravam-se lojas e magazines de maior sucesso, como as duas Américas, Sloper, Africana, Casa Milano (da Música), e por aí. Era o trecho inevitável para o desfile das jovens mancebas que, depois da sessão de um dos cinemas das cercanias, faziam desfilar os seus perfís para os ansiosos guris.
Naquele circuito – entre Praça da Sé e Praça Castro Alves - encontravam-se os cinemas mais buscados nos fins-de-semana: Liceu, Excelsior (Praça da Sé), Glória (início da rua Ruy Barbosa) e Guarany (Praça Castro Alves). Entre o filme de sucesso da semana e o desfile da rua Chile, a inevitável passagem pela Cubana, alí na parte externa superior do Elevador Lacerda, para um incondicional “milk shake” acompanhado dos bolinhos que somente aquela casa sabia servir.
O entretenimento “cinema” guardava, da mesma sorte e com o mesmo prestígio, a preferência da população, notadamente a que residia nas suas imediações, nas unidades da Baixa dos Sapateiros que, via de regra, exibiam sucessos responsaveis pelas suas superlotações. Vale lembrado de que, diferentemente dos cines da cidade alta, que exibiam apenas um filme por sessão, na Rua Dr. Seabra, as sessões constituiam-se de “jornal noticioso”, “traellers” das atrações da semana seguinte, e dois filmes, complementando com um episódio do seriado em sucesso então.
É que lá se encontravam, guardando a frequência de um grande público cativo, o Jandaia, na esquina da Ladeira do Alvo, Aliança, já próximo à Ladeira da Saúde, e Pax, na esquina da ladeira que descia do Centro Histórico. Como cinemas populares, ainda pontificavam o Popular e o Santo Antônio, ambos no circuito do Centro Histórico.
As práias da época, disparadamente, eram o Porto e o Farol da Barra. Para onde ocorria a grande concentração de jovens de ambos os sexos, nunca raro para proporcionar encontros ansiosamente aguardados. 
Mas o trecho da praça da Sé à Castro Alves, indiscutivelmente, polarizava as preferências da sociedade baiana. Pois era onde se encontravam o bar “Triunfo”, na esquina da praça Municipal com a Ladeira da Praça, ao lado da Prefeitura de então, hoje Câmara de Vereadores. Na esquina da Rua do Tira Chapéu com a rua Chile, a pastelaria Chile, onde se degustava, inclusive, aquele refresco de pressão e de “pistache”.
Do outro lado, logo após o Palácio Rio Branco, um dos pontos igualmente preferidos, a “Pastelaria Chile”, onde, inclusive, certa feita, assistí à grande atração cubana “Lia Ray e seus Mambo Dandies”. Um outro espaço que pontuou com extraordinário sucesso foi a “Casa de Chá das Duas Américas”, local, inclusive, de apresentação de famosos cartases da música brasileira e onde, diariamente, fazia a animação o tradicional pianista Eduardo Ramos. Não olvidando as presenças de artistas nacionais do maior destaque da época na “Casa da Música”, para destinação de autógrafos em suas fotos às multidões de admiradores.
Em frente e no térreo do Pálace Hotel, esquina com a Rua da Ajuda, estava o Adamastor. Na mesma entrada da Rua da Ajuda, e do outro lado, postava-se a tradicional Livraria Civilização Brasileira, fonte de busca de tantos intelectuais, professores e alunos. Situava-se bem ligada ao prédio do Hotel Meridional, na esquina e igualmente de eterna memória. No lado oposto da Rua Chile, mais se aproximando da Praça Castro Alves, o “Café de Bernadete”, ponto de encontro de políticos e jornalistas, de onde, seguramente, nasciam as grandes fofocas do momento.
Ainda são muitas as reminiscências, como se descermos à Cidade Baixa, onde logo iremos encontrar, na Rampa, em frente ao Elevador Lacerda, o antigo Mercado Modêlo, fonte de tantas histórias. 
Mas, já é início de relato para uma outra vilegiatura.

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