Pesquisar este blog

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

“BRASIL, PAÍS DO FUTURO” PARA STEFAN ZWEIG

STEFAN ZWEIG, vienense, foi o escritor mais lido, adaptado e conceituado do seu tempo. Fugindo dos rigores da segunda guerra mundial, o autor de biografias de Dostoievski e Nietzsche, dentre outros, além de romancista e dramaturgo, fincou as suas raízes em terras brasileiras. Vítima do nazismo, que promoveu a queima dos seu livros em praça pública, não resistiu às pressões psicológicas e, junto com a sua esposa, cometeu suicídio em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Desde então, o local cedeu espaço à instalação do museu em sua homenagem.
Do trágico acontecimento, restou uma carta de adeus, na qual consta “carinhoso agradecimento a este país maravilhoso”, para o qual dedicou uma pérola de contribuição com o livro “BRASIL, PAÍS DO FUTURO”. Nele, Zweig exibiu o por que a Bahia lhe impressionou tanto, com um capítulo que marca muito bem o quanto admirou as terras baianas: “A Bahia – Fidelidade à tradição”. Foi sua obra de 1941, tendo dedicado mais dois capítulos para falar da sua admiração à terra em que o Brasil foi descoberto. Os três capítulos encontram-se no bloco “Voo sobre o Norte”.
Mas Zweig circulou bem pelo Brasil, visitando, inclusive, Recife e Belém do Pará. Circulou ainda por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, esta, a cidade que definiu como “a mais encantadora do mundo”. No livro, dedicou nada menos do que 21 páginas na apreciação de Salvador, que comparou com Atenas, Alexandria e Jerusalém, e considerando, como estas, “Um santuário da civilização”.
Permito-me, neste espaço, transcrever alguns trechos das suas considerações sobre a Bahia, por serem sobremaneira curiosos:
“Com essa cidade, teve início o Brasil. E, com direito, podemos dizê-lo, a América do Sul. Nessa cidade, levantou-se o primeiro pilar da grande ponte lançada sobre o Atlântico. Nela, originou-se de matéria europeia, africana e americana, a mistura nova que ainda fermenta eficazmente. Veneremos, pois, a Bahia, antes de a admirarmos. Esta cidade tem a prerrogativa de ancianidade entre todas as da América do Sul”
E mais: “Com seus quase 400 anos, com suas igrejas, sua catedral e seus castelos, a Bahia é, para o Novo Mundo, o que para nós, europeus, são as metrópoles milenárias, o que para nós são Atenas, Alexandria e Jerusalém: um santuário da civilização. É como, ante uma fisionomia humana, sentimos, respeitosamente, diante da cidade, que ela tem um passado glorioso”.
“A atitude da Bahia é a de uma rainha viúva grandiosa como as das peças de “Shakespeare”. Altiva e ereta, olha do alto para o mar, no qual, séculos atrás, todos os navios se dirigiam para ela; ainda traz os antigos adereços, constituídos por suas igrejas e sua catedral, e essa dignidade de atitude continua a existir na sua população”.
Vai adiante: “Podem as cidades mais novas, o Rio, Montevidéu, Buenos Aires, ser hoje mais ricas, mais poderosas, mais modernas, mas a Bahia tem a sua história, sua civilização própria, seu modo de vida próprio”.
Descendo a detalhes: “Há ruas asfaltadas e, muito perto delas, ruas calçadas com pedras brutas. Na Bahia, podemos, num período de dez minutos, estar em dois, três ou quatro séculos diferentes. E todos eles parecem genuínos. O verdadeiro encanto da Bahia reside no fato de nela, tudo ainda ser genuíno e não propositado. As chamadas “Coisas Dignas de Serem Vistas” não se impõem ao forasteiro, acham-se incorporadas de um modo imperceptível no conjunto”.
“Velho e novo, presente e passado, luxuoso e primitivo, 1600 e 1940, tudo isso se une para formar um só quadro, emoldurado por uma das mais tranquilas e aprazíveis paisagens do mundo”.
Nem as baianas escaparam à sua observação: “No permanente pitoresco, o que há de mais pitoresco são as baianas, as pretas gordas, de olhos escuros, com seu vestuário especial. A Imponência dessas baianas não está no traje, está no garbo com que o usam, no seu modo de andar, nas suas maneiras. Sentadas no mercado ou na soleira duma porta, dispõem elas a sua saia como se fosse um manto real, de modo que parecem estar sentadas dentro duma enorme flor”.
Nada lhe escapou à observação. Como a tradicional Lavagem do Bonfim, que mereceu sua atenção: “Tive a feliz oportunidade de ver a (festa) do Senhor do Bonfim. Oh, como é interessante e primitiva essa ornamentação. Tudo isso brilha e se agita na claridade intensa. E por trás está o mar azul e por cima o firmamento, também azul. Exuberância de cores e de alegria”.
E prosseguiu no mesmo roteiro: “As crianças bateram palmas e sapatearam de alegria. Os adultos gritaram: “Viva o Senhor do Bomfim”. E a igreja inteira retumbou durante um minuto esses brados de júbilo. E, subitamente, teve início na igreja uma atividade que parecia realizada por uma centena de diabos irrequietos. Foi verdadeiramente o primeiro acesso de loucura coletiva que vi e que ainda se tornou mais inverossímil pelo fato de ocorrer numa igreja, sem uso de álcool, de estimulantes, sem música, e em pleno dia sob um céu magnífico e radiante”.
Até a sua despedida: “Com pesar, pois a Bahia é muitíssimo bonita, muitíssimo  sedutora, embarco no avião que me leva para o Norte. Para a cidade de Pernambuco ou Recife, ou Olinda. Qual dos nomes deverei usar?”.
É, pois, um depoimento que merece referência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário